Vamos falar de sexo? Hora de um papo reto sobre orgasmo feminino. Tava lendo umas matérias por aqui e dei com essa fala da Nicki Minaj: “eu exijo gozar toda vez” (link em inglês).
Gosto dessa entrevista porque eu demorei a entender uma coisa muito importante sobre sexo: tem que ser bom pra mim. Não só de vez em quando, não só quando der. Tem que ser legal sempre. Senão, não tem nem pra que acontecer. Mas não foi sempre assim…
Quando li a matéria da Nicki, fiquei intrigada. Primeiro, porque pensei “nossa, que mulher difícil“. Me pareceu uma frase tão egoísta… Depois, porque imaginei um homem no lugar dela e percebi que jamais um cara teria de dizer isso, porque por padrão, numa relação hétero, o sexo termina quando o cara termina. Sim, eles exijem gozar toda vez, e nós não os achamos difíceis por isso. Para eles, orgasmo não é luxo.
Dizem que mulheres tem mais dificuldade pra chegar lá. Questiono se é uma dificuldade de fato ou se é falta de disposição dos parceiros combinada com falta de imposição da nossa vontade.
Conversando com minhas amigas, e googlando (quando tinha vergonha de falar sobre isso com os outros), descobri que, infelizmente, é comum as mulheres sentirem que tem algum problema que impede ou dificulta que sintam prazer durante boa parte do sexo ou que cheguem ao clímax. É comum, em consequência, e principalmente em relações afetivas (que envolvem amor pelo parceiro), que elas abram mão do próprio prazer e aceitem que o sexo seja do jeito que o parceiro quer e gosta. Não estamos falando que é ruim, vejam bem. Tipo, tem que ser agradável pra ela e tal, mas não se pressupõe que será legal pra caralho. Se for bom pra ela, é lucro; mas se não, é normal, mulher tem dificuldade mesmo, na próxima a gente tenta de novo. E isso é muito errado…
Tem mil fatores aí.
Tem o fato de a gente aprender, desde cedo, que gostar de sexo não é coisa de mulher direita, e acabar se reprimindo. Se a gente bate no peito e diz “gosto de sexo, sim”, é vista como safada e tem homem babaca que se aproveita disso para partir para o desrespeito (é só ver o nível das interações que recebem as mulheres que “ousam” comentar algo em páginas de camisinha no Facebook).Tem muita mulher que não se masturba, não sabe onde fica o clitóris direito, não sabe que tipo de estímulo gosta mais ou menos, mal conhece o próprio corpo e seus traquejos. Tem vergonha de admitir fantasias, desejos, fetiches, medo de pedir algo ao parceiro e ser julgada por ele. Tem o mito de que homens são naturalmente cheios de tesão e tem uma necessidade biológica de sexo enquanto mulheres sentem menos desejo e é normal e esperado que achem sexo meio chato, mesmo.
Mas tem também a exigência de que sejamos santas na rua e putas na cama. Mesmo que você não tenha aprendido como sentir prazer, precisa se virar para dar prazer, em vez de ficar reclamando. As revistas femininas nos ensinam mil maneiras de enlouquecer um homem na cama. E quem enlouquece a gente?
Criados nessa mesma cultura, muitos homens não esperam mais que isso, que a gente goste mais ou menos, e não fazem grandes esforços nesse sentido. Acham que pensar no nosso prazer é problema nosso. E também acham que não é por isso que a gente não tem que dar os nossos pulos para “segurá-los”. Aquele papo de que, se o homem não estiver satisfeito sexualmente no relacionamento, vai trair e a culpa é sua que não o satisfez.
O machismo pesa também ao fazer com eles sintam que, se não estamos tendo prazer no sexo com eles, só há duas alternativas: ou ele que é ruim de cama ou você que tem dificuldades no sexo. Advinha qual é a mais fácil para eles de aceitar?
Até porque, nessa cultura machista, homens são considerados menos homens se forem ruins de cama e você não quer que seu amado se sinta menos homem, quer? A loucura é tamanha que, no medo de ofender o parceiro, para preservar seus sentimentos e sua masculinidade, existe uma cultura entre as mulheres de fingir orgasmos. Tem coisa mais absurda que, além de não gozar, fingir que gozou só para o outro não ficar chateado? E quem cuida da nossa chateação??
Outro fator é o ciclo vicioso que é uma mulher não saber como gosta de transar porque nunca é do jeito que ela gosta. Não é uma questão de posições ou pirotecnias. Um parceiro que não tá interessado no seu prazer fica entediado fazendo algo contigo que não envolva o próprio pau, e (em geral) o sexo fica chato. Tem os que insistem em algo que não tá agradando, (tipo “ah, você exige? Então não paro enquanto você não gozar”) e a emenda fica pior que o soneto. Aí você passa duma relação que é super gostosa para só um dos lados e ok para o outro para um rolê mais ou menos pros dois, e bate uma culpa do tipo “fui querer melhorar pro meu lado e acabei estragando o sexo pros dois”. Maldita culpa, essa companheira de longa data.
Tem também um egoísmo descarado de alguns caras. Já ouvi muita reclamação de homens que não se conformam com mulheres que preferem outras coisas que não penetração, seja oral ou usando as mãos, brinquedos etc. Nos chamam de chatas, difíceis, exigentes. Quando não queremos alguma posição porque incomoda ou não dá prazer, somos umas frescas. E é complicado porque, porra, quem quer ser uma chata no jogo da sedução?
Acho que falta um pouco desse egoísmo para nós mulheres. Falta uma vibe Nick Minaj de falar “eu exijo que seja legal pra mim” (aqui estou inclusive expandindo além do orgasmo, que é fim, para o prazer durante). Tem muito cara que é super legal, mas peca na cama sem nem perceber que tá sendo ausente em relação ao prazer feminino. Penso que se a gente não se colocar, vai ser difícil a qualidade do sexo subir. É chato ter que se impor – melhor seria que o rapaz colaborasse voluntariamente, né – mas é mais chato não ter vez.
Já tive minha fase de querer agradar. De ser a inesquecível do rolê, gostosa, performática, liberalzona. Isso funciona bem com rapazes egoístas (porque quem nunca pegou uns bofe chato porém gato, néam), que ou não percebem ou não ligam se você tá sentindo prazer ou não. Tem seu lado muito legal, é um santo remédio quando a auto-estima tá lá embaixo e isso é uma forma de prazer também. Mas quando a intenção de agradar não é recíproca, a sensação que resta no fim é que eu fiquei de fora da minha própria festa. O difícil era lidar com o medo querer transar de um jeito xis e o cara achar chato, entediante, difícil, sem graça. Aí, nem orgasmo, nem boost de auto-estima. Não é uma questão fácil de resolver.
Em relações afetivas, já achei que tinha que aceitar incômodo e até dor (leve, mas ainda assim, dor) porque “era assim mesmo”, eu tinha que me “acostumar”, e porque não queria “criar dificuldades” para o amado.
E aí, um dia na terapia, caiu minha ficha. Por que caralhos eu me preocupo tanto com o outro e não exijo o mesmo tipo de preocupação, o mínimo que seja, do outro para comigo? Mais importante: por que me preocupo tanto com o outro e não comigo?
As primeiras vezes que fiquei com alguém que tava genuinamente interessado no meu prazer, fiquei até desconcertada, sem saber o que fazer, sabe? Mas a gente aprende e para de achar que é favor. Sexo é reciprocidade.
Enfim, são tudo reflexões para a gente fazer quando pensa no assunto e fica frustrada porque quer gozar mais.
Se você chegou nesse post procurando no Google uma luz, sinta-se acolhida, e ó: nós não somos difíceis. Nosso corpo não veio com defeito de fábrica. Não somos chatas. Não é “normal” ter que aguentar dor e incômodo durante o sexo. Sexo não precisa ser do jeito dele. Os jeitos que a gente gosta de transar não são caprichos. Orgasmo não é luxo. O prazer do outro não é mais importante que o nosso. Querer curtir o sexo é normal, bom e saudável. Querer que o parceiro se importe com seu prazer é o mínimo. Sexo pode ser muito legal. Gozar é demais!
(Brigada, Nicki <3)
Ilustração (foda): O – O -O, de Marcy Ann Villafaña.
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