Vim ouvindo Legião Urbana no ônibus e lembrando dos meus tempos de escola. Da época em que eu dividi os fones do walkman com o menino de quem gostava para ouvir Geração Coca-Cola na rádio, sentados juntos.
Tempos em que minha melhor amiga levava Doritos pro recreio (num dia o verde, no outro, o vermelho) e eu fazia fiado na lanchonete escondido da minha mãe.
Eu tinha cabelos compridos, usava óculos de grau com armação de tartaruga e calça bailarina azul marinho. Gostava de boybands e de assistir MTV à tarde, enquanto bordava toalhinhas em ponto cruz.
Lembrei de quando a gente assistia Chiquititas e sabia as dancinhas de cor, e ficava discutindo se o namorado da Mili era ou não gatinho. À tarde, passava a reprise de Anos Incríveis. A gente trocava figurinha nem lembro de que álbum e os meninos copiavam desenhos dos Cavaleiros do Zodíaco de revistinhas com papel carbono.
Nas festinhas, o pessoal colocava vodca em garrafas de refrigerante, escondia dentro da bolsa de alguma menina e ia se servir no banheiro. Um por um, entrando no banheiro do salão de festas, sob a mira dos pais, com a mesma bolsa, e saindo de copo cheio.
Estávamos naquela idade engraçada da pré-adolescência em que a gente quer muito ser mais velho, apesar de, no fundo, ainda ser criança pra cacete.
Fizemos uma rodinha no corredor pra ouvir, curiosas, o relato da primeira da turma a depilar a perna com cera quente. Rolou também uma corrida para ver quem seria a primeira a menstruar ou a desenvolver seios. A gente até usava sutiã e absorvente sem precisar, só pra não ficar pra trás.
Uma das primeiras colegas a despontar era bem gordinha, e ninguém sabia se o peito tinha crescido mesmo ou se eram gordurinhas. Basicamente, café-com-leite. Teve uma outra, a loira de que todos os meninos da sala gostavam. Mas mulher peçonhenta nasce feita, e começaram os boatos de que ela usava sutiã com enchimento.
Pois num certo recreio, ela me arrastou pro banheiro da sala de artes e me mostrou o sutiã, pra provar que não estava fingindo, pra que eu testemunhasse pras outras meninas: realmente, não é de mentira. Tomei um susto. A gente nem era tão amigas. Mas ela era uma menina de atitude, e era muito importante para ela provar que estava falando a verdade. Sei lá, no fundo, me senti lisonjeada pelo voto de confiança.
No fim, isso não mudou nada na nossa amizade. Nunca fomos muito mais próximas que então, e ela até brigou comigo quando eu não quis ficar com o menino que eu gostava porque eu achava errado. Acho até que ela ficou com ele uns anos depois.
Nem lembro em que ano ela mudou de escola. Quando surgiu o Orkut, teve aquela fase de “reencontrar” amigos de escola, e trocamos uns dois scraps do tipo “quanto tempo, o que tem feito da vida”, e pronto.
Esses dias, minha mãe encontrou a mãe dela e soube que ela se suicidou. Bateu uma melancolia…
E a primeira coisa que lembrei foi desse dia em que ela me mostrou o sutiã no banheiro da sala de artes. Como foi que aquela menina deixou de se preocupar em provar que não usava enchimento e passou a ter problemas de verdade, a ponto de chegar nesse extremo? Quando a gente deixou a inocência dos 11 anos pra trás e passou a ter preocupações de vida ou morte?
Engraçado as coisas que a gente lembra.
Foto: MaWá.