Tenho deixado o cabelo crescer, sem saber o que quero dele. Não sei mais se quero a tal franja, nem a cor que andei namorando, nem o side cut que tanto quis e ficou pra lá. Tô deixando ir pra ver onde vai.
Me olho no espelho e vejo algo de mais jovem em mim assim, de rosto fino e cabelos compridos, bagunçadinhos. De menos controlada. De mais à vontade.
Ouvi alguém dizer esses dias que cansou de tentar evitar riscos e decidiu mergulhar de cabeça no que a vida traz, porque nenhum receio pode ser maior que a vontade de sentir as coisas intensamente. Não como um guru-de-auto-ajuda; mais como aqueles moleques de jeans rasgado, joelho ralado, cicatriz no queixo e skate debaixo do braço, que insistem em aprender manobras novas just because.
Pensei muito a respeito, e concordei.
Sabe, a gente sobrevive à falta de chão. Acontece, e dói e tira o ar. Mas assim que a gente consegue controlar a respiração e parar de hiperventilar, cai a ficha que dá pra ir em frente. Tá permitido chorar pelo caminho, botar Celine Dion no Spotify, fazer lip dub no meio da rua e desidratar em via pública. Desde que se continue pedalando.
Que vai chegar o dia em que algo legal cruza o nosso caminho. E eu não quero que a vontade de não me machucar seja maior que a de viver intensamente. Tudo bem seguir em frente, com medo mesmo, ainda de band-aid no cotovelo e sangue na calça.
Viver anestesiada, esterilizada e desinfetada não é uma vida que valha a pena.
Então tirei aos poucos os dedos do freio dessa bike, e to curtindo o vento batendo no rosto e o frio na barriga que dá quando a gente arrisca. O que tem no fim da descida? Eu sei lá. Mas não me importo non plus.
Sigo deixando o cabelo crescer.