Viram que a Folha se posicionou em relação ao uso do termo “presidente”, em vez de “presidenta”? A justificativa, feita por especialistas: “Em português, as duas formas estão corretas, ‘mas a feminina é pouco usada'” e “o uso da forma ‘presidenta’ é desnecessário e causa estranheza”.
Ora, é claro que a forma feminina é pouco usada. Por mais que a imprensa já precise tomar essa decisão em relação às presidentas dos outros países, esta é a nossa primeira presidenta. Não estamos acostumados a ouvir e falar essa palavra. E é claro que causa estranheza, assim como é estranho para nós ver uma mulher na presidência.
A Época, que deu a notícia da vitória de Dilma na capa do último domingo com “presidenta” em letras garrafais, justifica sua posição neste artigo muito interessante (usando como fonte o mesmo Pasquale que aparece na Folha defendendo a versão masculina), de onde tirei o trecho abaixo:
“A língua é construída diariamente, pelo uso que dela fazem aqueles que a falam e escrevem. Se até hoje a forma ‘a presidente’ esteve disseminada na imprensa e na literatura brasileiras e espelhou uma realidade quase sem mulheres, um cenário protagonizado por uma delas pode inaugurar uma tendência, a das presidentas. Como já houve a oportunidade das doutoras, das ministras…”
Essa notícia me lembrou na hora do post da Lola, doutoranda em lingüística, sobre como a língua reflete o sexismo (conhecido como machismo) da sociedade.
Perceberam que não existe a forma feminina de alguns termos de prestígio e autoridade, como gênio, ídolo ou sargenta? Mas que, por outro lado, existem xingamentos de sobra para a mulher, enquanto o repertório masculino é mais reduzido? E que não existe a forma masculina para termos como primeira-dama? Isso sem falar nos plurais, que são sempre no masculino (se há um homem e cem mulheres no grupo e você usar o feminino para o plural, certamente o rapaz se sentirá ofendido e excluído, mas o contrário tudo bem).
Nem venham dizer que isso é exagero de feministas. Até a Unesco já lançou uma cartilha com sugestões para eliminar as discriminações de gênero que todas as línguas impõem (em inglês, francês e espanhol). E como bem explica o Alex neste post, “uma maneira de chamar atenção para o machismo que permeia nossa vida e nos parece tão natural é justamente fazer com que os privilegiados finalmente sintam o estranhamento“.
Acontece que existe um termo para mulher que chega ao comando do país: é presidenta. Usar este termo é combater o desconforto que causa o fato de termos uma mulher presidenta e mostrar que, sim, reconhecemos, pela língua, que esta também é uma posição feminina.
Como diz a expressão popular, vamos chamar cada coisa pelo seu nome certo?
Update: dei um rolê pelas bancas de São Paulo e fotografei as capas das principais revistas semanais. Apesar de todas ressaltarem a conquista feminina do fato, só a Época chamou Dilma de presidenta.