Outro dia, li um post muito interessante no blog da Lola sobre cantadas de rua e machismo.
Começou com duas notícias. A primeira, de uma policial que prendeu um senhor por desacato quando ele a abordou em uma praça dizendo obscenidades. A segunda, uma moça que deu queixa na polícia e processou um rapaz por ter tentado roubar um beijo seu à força em uma van.
Entre os comentários, muita gente com aquele papo de que cantada de rua é elogio, que a mulher, no fundo, gosta de receber cantadas e que as que não recebem se sentem desvalorizadas. E que as que dizem que não gostam de cantadas estão mentindo. A maioria, homens, naturalmente.
O que os homens não entendem é o fator ameaça. O pedreiro que grita “Ô lá em casa” ou o tiozão sentado no boteco dando “Bom dia, princesa” podem parecer inofensivos, e até engraçados.
Mas quem acha engraçado é porque, provavelmente, não sabe que as mulheres têm medo.
Medo de a abordagem, que é uma invasão por si só, se tornar física. Como o dia em que um cara sentou do meu lado no ônibus e ficou passando a mão na minha perna disfarçadamente. Ou como o cara que encoxou minha amiga no metrô que nem lotado estava.
Medo que essa abordagem física vire um estupro. De que um completo estranho viole seu corpo contra sua vontade. Pra isso, basta oportunidade. Uma rua sem saída, um lugar deserto e um cara com tesão.
Nunca ficaram com o coração na boca e pernas tremendo ao se ver numa rua escura e perceber um vulto ou passos perto demais.
Pra correr o risco do estupro, a mulher não precisa ser bonita, gostosa, estar de saia curta, short colado. Basta ser mulher. Como esta senhora de 99 anos, que sofreu uma tentativa de estupro de seu neto. Como a jornalista do 60 minutes que estava no Cairo, Egito, cobrindo a revolução, e foi separada dos seus colegas (homens) pela multidão (de homens) e molestada por eles. Assim, em praça pública, à luz do sol. A violência só acabou quando um grupo de mulheres, acompanhado da polícia, a resgatou.
Você, homem, quando sai na rua à noite, fica de olho para não ser assaltado, mas não teme que alguém abra suas pernas à força e entre em você contra sua vontade. Os jornalistas que foram ao Cairo tinham medo de serem agredidos, sequestrados, mortos. Mas só as jornalistas tinham medo de serem violadas sexualmente.
Porque estupro é um crime típico do machismo. É uma violência específica contra a mulher. É para mostrar quem manda e quem é o objeto.
E o que você, rapaz de família, bom moço, que lê meu blog, tem com isso? Ora, pare de achar normal as invasões que as mulheres sofrem na rua, todo santo dia.
Chega de piadinhas sobre o corpo das mulheres do seu escritório, dos assobios na praia, da condenação das que usam roupas “provocantes”. Pare de virar o pescoço pra checar a bunda de cada mulher que passar por você. O corpo de cada uma é de cada uma, e não seu. Elas não saem de casa para serem avaliadas pelos homens.
Faça sua parte respeitando e deixando as mulheres em paz. Já é uma contribuição e tanto.
Foto: Gestualidades
Update: tem post novo falando sobre quando homens sofrem assédio e cantadas na rua.