Assédio sexual: menos “desculpas”, mas “basta”

Ilustração de assédio sexual. Crédito: Inmagine.

Estava eu voltando pra casa depois do estágio um dia, feliz de ter saído antes do horário de pico e ter encontrado meu ônibus praticamente vazio, quando entrou um cara que estragou meu dia.

Mesmo com tantos assentos vazios, ele escolheu se sentar ao meu lado – quem é mulher sabe bem o sentimento que me tomou nesse momento.

Quando senti a mão dele roçando na minha perna, minha primeira reação foi encará-lo, mas ele recuou e disfarçou.

Enquanto eu tentava acalmar os nervos tentando me convencer de que era um mal-entendido, lá veio a mão boba de novo.

Eu devia ter levantado a voz, ter feito uma cena, ter chamado a atenção do cobrador (repararam como machão assediador tem medo de outros homens?). No mínimo, eu devia ter mudado de lugar eu mesma.

Mas por algum motivo, fui tomada de um sentimento de vergonha, de uma vontade de que ninguém tivesse reparado e de que aquilo parasse de uma vez.

Ele me tocou pela terceira vez e levantei e dei o sinal para descer do ônibus, mesmo ainda estando a quilômetros do meu destino final.

Eu me fodi aquele dia. O próximo busão demorou horrores e quebrou no caminho, me fazendo pegar um terceiro lotadíssimo e ficar presa no trânsito por horas.

Durante todo o caminho, não consegui parar de pensar em porquê porras eu estava envergonhada, enquanto aquele filho da puta seguiu sua viagem tranquilamente, sentado no ônibus vazio.

Não foi a primeira nem a última vez que eu sofri esse tipo de abuso.

Aí li esse relato da estagiária da CBN que sofreu assédio sexual de um chefe que lhe dizia barbaridades obscenas ao pé do ouvido e fazia comentários sobre seu corpo na frente dos outros (quantas aqui já passaram por isso?).

Diante da omissão da diretoria com sua denúncia, alguns jornalistas se demitiram e isso causou problemas para os que ficaram.

Isso estragou meu dia, de novo. Me machuca  vê-la pedir desculpas aos colegas pelo “transtorno” de ter “causado” um escândalo que acabou por prejudicá-los (como se ela tivesse “causado” alguma coisa…).

Até quando a gente vai continuar a se desculpar por ser vítima de assédio sexual?

Até quando a gente vai sentir vergonha pelo assédio dos outros?

Até quando vamos tolerar gente babaca nos julgando porque nossa reação foi muito “comedida” para alguém que diz ter sofrido algo tão terrível? Gente que duvida da gente e dá a notícia falando em “suposto assédio” ou “alega ter sido assediada“?

Lola já dizia, e infelizmente estava certa, que toda mulher tem uma história horrível para contar.

A gente precisa aprender, ensinar para as amigas e repetir na frente do espelho, como um mantra: a culpa do assédio e do estupro nunca é da vítima, em hipótese alguma, jamais, seja qual for a circunstância, seja qual for a consequência, seja quem for a vítima ou quem for o agressor.

A estagiária da CBN tomou coragem para levar o caso para a diretoria e, assim, inspirou outras funcionárias a quebrar o silêncio e denunciarem assédios (muito piores) cometidos pelo mesmo cara.

Os superiores não fizeram nada, mas três jornalistas famosos deixaram a rádio em protesto e os demais fizeram uma greve e o caso virou notícia, expondo o agressor e devolvendo a ele parte do constrangimento que causou (e, depois, ele foi afastado do trabalho).

Se a gente não entender que a culpa não é nossa e não tomar coragem para dizer “basta!”, gente como esse cara vai continuar a estragar nossos dias no ônibus, no escritório, na fila do restaurante, e a gente vai continuar a sofrer envergonhada enquanto eles vão seguir viagem tranquilamente, sem consequências nem limites.

Querida estagiária da CBN, pare de se desculpar. A gente só tem a te agradecer.

Ilustração: Inmagine.

Back to Top