Houve um tempo em que o pastor da minha igreja (batista, num nível intermediário entre as tradicionalíssimas e as reformadas da categoria) enxotava a bibliadas qualquer um que ameaçasse fazer campanha política num raio de 500 metros do templo. Nada de santinhos na saída e muito menos comício em cima do altar. O candidato podia ser membro fundador da igreja que nada feito.
Tenho saudade desses tempos.
Hoje, tem mais disso não. Vejo líderes protestantes usarem o púpito (físico ou virtual) pra tomar partido nessas eleições pra presidente. Partido e anti-partido, também. Tá um tal de postar panfleto no Facebook e falar “Votem nele” ou “Não votem nela” como se fala “Vamos orar por isso ou aquilo”.
Aí, o que acontece?
Uma associação entre candidatos e propostas com valores, bons ou ruins, que leva ao que o Manifesto Evangélico por um Processo Eleitoral Etico chama de demonização de candidatos e partidos. Como nesse videozinho homofóbico e sensasionalista, em que um pastor que nunca vi mais gordo usa meia dúzia de argumentos infundados e rasos pra dizer que um partido é anti-cristão. Ou então em boatos que circulam por e-mail acusando fulano de satanista.
Dentro da igreja, o que o pastor fala tem status de verdade. A gente aprende que não deve acreditar em tudo que se fala no culto sem antes analisar, mas, na prática, não é fácil discordar do pastor. Nem publicamente nem dentro da gente. Afinal, estamos falando do mestre do rebanho, do seu guia espiritual. Tem um dilema moral aí.
Mas não é só por isso me preocupa esse militantismo religioso.
Parece que as pessoas se esquecem que o Estado é laico. Não gosto nada da idéia de políticos “religiosos”, daqueles que defendem os interesses das igrejas. Isso é terrível! É uma brecha para cercear os direitos daqueles que discordam das nossas crenças. É uma brecha para o autoritarismo em nome de Deus. É uma brecha para o retrocesso ao conservadorismo.
Vide sobre o que giraram as polemiquinhas pré-eleição ultimamente. Problemas sociais? Nope. Quem é a favor do aborto e quem não. Quem é a favor do casamento gay e quem não. Claro que nenhuma dessas questões está sendo analisada a fundo. O ponto aqui é: nós, cristãos, devemos achar isso certo e aquilo errado, portanto, devemos votar em quem acha isso certo e aquilo errado.
Concordo que pastor, como todo cidadão, tem que ter liberdade de expressão. Mas eles sabem mais que ninguém o poder de suas palavras perante as comunidades que dirigem e sabem que tem um compromisso diante de Deus de usar esse poder com responsabilidade, pra liderar os fiéis em questões espirituais e não em questões políticas. Eles sabem bem a diferença entre expressar opiniões pessoais e influenciar a opinião de seu rebanho.
Ainda bem que ainda encontro uns e outros pastores que puxam a orelha dos colegas pra apaziguar minha desesperança na igreja.
Você pode achar que, pela minha orientação política vermelhinha, esse texto é enviezado. Evidente que se essa pastorada tivesse fazendo campanha em favor da minha candidata, talvez não me incomodasse tanto.
Mas o ponto não é o quanto estou incomodada. É o quanto a igreja não está.