O mundo está ficando muito chato… pra quem?

Você aí, que reclama que as pessoas vêem preconceito em tudo, um minuto da sua atenção.

Você diz que o mundo está ficando “muito chato”, e eu te pergunto: chato pra quem?

Porque, para a minha amiga, o mundo é muito chato faz tempo, já que a cor da sua pele faz dela um alvo de discriminação desde que nasceu. É chato cada vez que alguém a chama de “moreninha”, que uma criança negra é confundida com um pedinte e maltratada pela cor da pele (e nada mais), que um estilista coloca palha de aço na cabeça das modelos e chama de “homenagem” ao cabelo negro, que alguém usa a expressão “cabelo ruim” com a maior naturalidade, que um cara na TV pinta a cara de preto e usa uma peruca terrível para fazer humor no papel de uma mulher negra, pobre e feia.

O mundo é chato demais pro meu amigo, que cresceu ouvindo “vira homem, rapaz”, que sofreu bullying na escola por “falar fino”, que é ofendido diariamente pelos políticos reacionários que o acusam de querer impor uma ditadura (???) quando ele pede direitos iguais aos dos héteros, que deixou de conseguir emprego porque o entrevistador achou que, apesar do bom currículo, um cara gay não teria pulso firme em tempos difíceis (“como vai impor respeito?”).

Pra mim, o mundo é chato quando as revistas femininas ensinam “como enlouquecer seu homem na cama” enquanto as masculinas ensinam “como ficar com quem quiser”, quando as mulheres recebem salários menores para funções iguais, quando o presidente da Comissão de Direitos Humanos  fala que eu, como mulher, nasci pra ser mãe e que trabalhar atrapalha isso, quando as pessoas separam as mulheres entre “de família” e “vagabundas”.

Para nós, chato mesmo é quando a gente se sente ofendido e vem você diminuir nossa causa dizendo que a gente reclama demais e que não é pra levar tudo tão a sério.

Por que, pra nós, a verdade é que, cada vez que alguém é “chato” e ajuda a criar uma onda de intolerância contra os preconceitos, o mundo fica é mais legal.

Foto: Inmagine.

“ESSE POST FAZ PARTE DA BLOGAGEM COLETIVA PELO DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL, UMA INICIATIVA BLOGUEIRAS NEGRAS.”

Cíntia Costa

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  • "O dia que pararmos de nos preocupar com a Consciência  Negra, Amarela ou Branca e nos preocuparmos com a Consciência Humana, o preconceito desaparece"
    Penso assim.

    • Oi Lena. Não foi "parando de nos preocupar" que acabamos com o apartheid, a escravatura, as que leis que condenavam homossexuais à prisão pela orientação sexual. Não é parando de nos preocupar com discriminação da mulher no ambiente de trabalho que vamos conseguir salários iguais, nem parando de reclamar de programas de TV que humilham negros que vamos fazer com que se tornem inaceitáveis. Fechar os olhos ou virá-los para o outro lado não põe fim aos problemas...

      • as pessoas têm espalhado aquele video do Morgan Freeman em que ele diz isso como um vírus letal pelas redes sociais. elas acreditam nisso e só pq um negro disse aquilo elas já têm motivos o bastante para dizerem: viram! não fui eu que disse! foi um negro que disse.
        concordo com você, Cíntia. a gente não pode fechar os olhos. não podemos fingir que as coisas não existem. temos sim que trazê-las sempre à luz da reflexão.

        • Oi, Dan! Acredita que eu nunca vi o tal vídeo do Morgan Freeman? Adoro o cara, mas só pelos comentários de algumas das pessoas que compartilharam (exatamente como você descreveu, gente preconceituosa querendo uma muleta), deu até preguiça...

      • Acredito que a Lena quis dizer que não devemos parar de nos preocupar, apenas mudar o foco da nossa preocupação. Afinal, se queremos uma sociedade que trate todos de forma igualitária, devemos nos focar no que realmente nos torna iguais: sermos humanos. Diferenças como cor de pele, orientação sexual, remuneração familiar, religiosidade (e a falta dela) deveriam ser respeitadas como parte dos indivíduos, e não usadas como exaltador desses grupos. Excelente texto, Cíntia!

        • Obrigada pelo comentário, Henrique! Entendo seu ponto de vista, mas acredito no forte poder das ações que promovem "orgulho" das minorias marginalizadas. Principalmente, porque elas atacam um preconceito muito específico, que o que o Giovanni mencionou no outro comentário: a falta de aceitação da própria pessoa marginalizada. Exaltar suas qualidades é uma forma de empoderar as vítimas de preconceito e reforçar a luta.

      • Pois é... Eu não ia assistir ao vídeo, mas um dia (no dia da consciência negra) um monte de amigos meus postou no Facebook e eu não resisti. A gente que acredita que um dia as coisas vão mudar (através de nossa luta e não por ficarmos esperando a boa vontade dos outros) tem que se manter firme, se apoiar constantemente. Eu vejo que tem mais gente falando que isso de preconceito já acabou do que gente assumindo seu próprio preconceito e trabalhando para se melhorar como humano. Isso é muito triste. Por isso eu fico feliz quando vejo pessoas que estão na luta junto comigo e divulgo sem dó de ser a chata!

      • ouvi esses mesmo argumentos de uma amiga... ela falava que eu reclamava e não era pra levar as coisas tão a sério, justamente numa discussão que surgiu com o video do Morgan Freeman no dia da consciencia negra em que eu comentei quase o mesmo argumento que vc colocou aqui.

        acho que eu não estava errado, mas estou certo de não ter mais essa pessoa como amiga.

        ótimo texto! parabéns

    • Se você parar pra olhar os pontos altos e baixos dos movimentos pelos direitos civis dá pra perceber bem claramente que o que você tá falando, Lena, está errando. Na verdade muito pelo contrário, se percebe claramente que com a intensificação dos movimentos civis e das "consciências" os direitos foram sendo conquistados. Ainda há muito para conquistar e não vai ser arredando o pé que será conquistado.

      Quando o sistema cria desequilíbrios e os próprios desequilíbrios perpetuam a si mesmo não será passando pano que as coisas se resolverão sozinhas. Ação direta de conscientização tanto de opressores e oprimidos se faz necessário.

      No mais, ótimo texto, uma grande inspiração para começar o dia.

  • O mundo também fica chato quando um jovem branco, de família pobre e que estudou a vida inteira em escola pública tem menos chances em um vestibular de faculdade pública quando concorre com um jovem negro, de família de classe média e que estudou a vida inteira em escola particular (ou mesmo pública), tudo por causa da cor da sua pele, já que este último terá direito às cotas pela cor da sua pele e precisará de uma nota menor para passar.
    Talvez fosse menos chato, se houvesse cotas pela situação sócio-econômica do candidato, independente se ele é negro, branco, mulato, amarelo, ruivo, etc.

    • Marcelo, infelizmente, a situação sócio-econômica não é independente da questão racial no nosso país. Historicamente, os negros tem "menos chances", e as cotas são uma forma de acelerar a separação das duas coisas. Com mais negros com ensino superior, conseguindo empregos mais qualificados, fica cada vez menor a relação entre cor da pele e classe social. Afinal, o "jovem negro, de classe média e que estudou a vida toda em escola particular" ainda é, infelizmente, uma minoria.

      • e não é injusto com o branco em situação de miseria? talvez a saída não seja a cor da pele nas cotas e sim a avaliação da necessidade social e financeira do individuo...

        • Uma pessoa negra em situação de miséria não tem as mesmas oportunidades que uma pessoa branca na mesma situação. Então, não, não é injusto. Existem também ações de inclusão social que não envolvem a questão racial, como o Prouni, por exemplo, de modo que, não, os brancos não estão desamparados nem em desvantagem.

  • gostei do texto mas acho q as pessoas realmente estao mto paranoicas...nao q devemos nos conformar com o mundo atual..pq nao esta nada bom....mas sou gay e não saio processando ou reclamando de qlqr coisa...não vejo preconceito em td....tem q saber discernir tb...acho q mtas vezes a pessoa nao se aceita e esse eh o maior preconceito de tds!!

    • Oi, Giovanni! Obrigada pelo seu comentário. Concordo que não se aceitar é um dos piores preconceitos - mas ainda acredito que ele nada mais é que um reflexo de uma sociedade preconceituosa. Se você é educado para achar que determinada característica é inferior (seja cor da pele, orientação sexual, vocação, crença, personalidade etc.) e a encontra em si, está armada a arapuca para o auto-preconceito. Numa sociedade mais tolerante, que é a que eu busco, há menos propensão para as pessoas não aceitarem a si próprias ou às outras...

  • Como me tocou esse texto. Obrigado pela eloquência e pela lucidez. É, às vezes, solitária a vida de quem faz a escolha de se sensibilizar contra o preconceito. De ser chato em vez de omisso. Parabéns

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Cíntia Costa

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