Eu tinha uns dezesseis anos quando ouvi um dos piores conselhos da minha vida. “A gente passa frio, mas não perde a pose”, me disse a mãe de um amigo, quando, num aniversário eu e umas amigas estávamos na dúvida entre vestir uma blusa que não combinava com o vestido ou aguentar o frio mais um pouco até que nossa amiga terminasse seu cigarro e a gente pudesse voltar para o salão de festas.
Não lembro o nome do aniversariante, nem a roupa que usei, nem a idade exata que eu tinha. Mas esse conselho me martela a cabeça desde então, principalmente em relação a sapatos de salto alto.
Por que raios a gente acha (e aceita, vive, ensina, defende) que é preciso aceitar certos sofrimentos em nome da beleza? Por que, meu Deus, a gente acha que ser bonita é um dever, e que há um preço a ser pago para “merecer” ser bonita?
Salto alto é símbolo de poder feminino, o que é uma grande contradição. Até o mais confortável dos sapatos de salto alto machuca pra cacete e, pergunte pra qualquer ortopedista, faz um mal danado pros nossos pés e coluna se usado com muita frequência. Executivas bem-sucedidas, super-heroínas, belas do Carnaval, tudo usando salto-alto para ficar de pé o dia todo, correr atrás de bandido, sambar por horas e horas… O negócio é tão sério que existe toda uma tradição de distribuir chinelos para convidadas em casamentos na hora da pista de dança como recompensa por ter aguentado usar sapatos lindos até então (em vez de a gente usar sapatos confortáveis, sabendo que vai ficar de pé e dançar). Salto alto pra mim é sinônimo de penitência.
Depilação, roupa apertada, sapato que aperta a joanete, bolsa ou sutiã que machucam os ombros, tratamentos doloridos anti-celulite… A quantas dores a gente se submete pra ficar bonita? Sem falar nos incômodos cotidianos, como viver de dieta para tentar perder três quilinhos, ir ao cabeleireiro toda hora retocar a raiz ou fazer alisamento.
Por outro lado, tudo que é confortável é brega ou não é feminino o suficiente. Moletom é sinal de derrota. Tênis é coisa de adolescente, sapatilha é sapato informal. Trabalhar sem maquiagem é quase um desrespeito. Bad hair day? Melhor nem sair de casa…
Sofrer para ficar linda é coisa de mulher, a gente aprende desde cedo. E é tão enraizado que, quando conhecemos alguma mulher que não se submete a algum desses rituais, já sabemos que nome dar: desleixada. A gente sabe que, se ela não se cuida, não vai poder depois reclamar quando o marido for procurar outra (isso se conseguir arrumar um marido! Quem vai querer uma desleixada?). Nós não queremos ser essa mulher, queremos ser aquela outra, linda, sedutora, poderosa.
Não consigo pensar em nada dolorido a que os homens “tenham” que se submeter para serem considerados atraentes por nós. Talvez malhar (e os que não malham são muito mais bem-aceitos e menos julgados que as “desleixadas”), ou usar gravata (que não é nada perto de uma meia-calça enforca-cintura que eu sei que você aí já usou). Fazer a barba? A não ser que seja com cera-quente, não vejo paralelo. Para eles, me parece que existe mais uma necessidade de se provar homem trabalhando, ganhando dinheiro, sendo viril. Mas trabalham com ternos confortáveis, em sapatos confortáveis, sem usar maquiagem, sem comer saladinha no almoço. E isso é ruim? É nada, bom pra eles…
Nunca falei sobre isso com minhas amigas feministas, nem nunca li nada a respeito sob esse olhar, mas tenho a sensação de que existe algo opressor nessa cultura dos sacrifícios pela beleza.
Aguentar dor por mérito é coisa de mártir, e não consigo ver sentido em sermos mártires em nome da beleza. Por outro lado, não ser totalmente racional e rejeitar tudo aquilo que me causa dor ou sofrimento para ficar bela.
Isso não é bem um manifesto, é mais um desabafo. Eu só queria ser livre e bonita ao mesmo tempo. Será que é tão difícil?
Não consegui resolver essa equação na minha vida, mas tenho feito meus avanços. E me sinto reconfortada quando vejo algo como essa imagem do post, uma poderosíssima atriz hollywoodiana jogando os carésimos saltos altos pra trás e fazendo campanha por sapatos mais confortáveis. Tamo juntas, Emma Thompson! <3
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Cintia, me lembrei desse texto, não sei se você conhece, li já faz um tempinho e me marcou DEMAIS: http://www.mulheralternativa.net/2010/04/depilacao-e-burca-brasileira-uma-menina.html
Beijos!
Oi! Acho que voce vai gostar muito de um excelente livro feminista: "o mito da beleza". Abracos! Ana
Olá Cintia, conheci seu blog por indicação de uma pessoa e gostei muito! Você escreve muito bem! Tem alguma pagina do facebook na qual vc poste seus textos com frequencia? Gostaria de acompanhar!
Oi, Sha! Obrigada. :). Eu costumo divulgar meus textos no meu próprio Facebook, só procurar meu nome lá que você me encontra! Beijos!