Sobre “cura gay”, bissexualidade e sair do armário

Cura gay é meuzovo, gente. Tchu contar uma coisinha aqui.
Tava aqui lendo a hashtag #quandomedescobriram, em que gays contam sobre como foi difícil o momento em que sua homossexualidade foi descoberta. Normalmente, na adolescência, e quase todos relatam esforços de seus familiares para “curá-los”.

Pois bem, não me descobriram ainda, porque nunca falei tão abertamente sobre isso, mas aí vai: sou bissexual. Isso significa que sinto atração tanto por rapazes quanto por moças.
A minha hashtag seria #quandoeumedescobri, porque foi tarde. Ouvi a vida toda que isso é pecado, são coisas da cabeça, desejos impuros, que a gente ora pra Jesus tirar da gente. Quando acontece, tenta pensar em outra coisa (isso valia para tudo envolvendo sexo fora do contexto marido-mulher). Então, quando eu sentia tesão em uma mulher, eu achava que era uma tentação “normal”, que toda menina tinha. E como eu também gostava de meninos, só podia ser hétero… E era sempre seguido de “desculpa, Deus”.
Só depois de véia é que dei espaço para isso e chamei uma moça para sair. No dia seguinte, eu acordei esperando ela, a velha conhecida culpa. E a bicha não veio. E nem depois. E nem nunca mais. Ô, glória. Saí da casa dela com uma leveza e uma sensação muito engraçada, pensando como é que algum dia na vida eu achei que era hétero. E aí, pensei “desculpa, Cíntia”, por tanto tempo ignorandoe reprimindo parte de mim.
É tão difícil falar disso… Justo eu, que sou tão faladora das coisas polêmicas, né? Mas é um assunto tão pessoal, tão meu, que eu nunca me senti à vontade para expor por medo do backlash. Tenho medo de as pessoas terem nojo de mim, de me atacarem, de se afastarem de mim ou de fazerem aquele negócio que magoa profundamente do “eu te amo, você vive como quiser, mas acho que isso é errado e não aceito”.
Quando solteira, morria de medo de me apaixonar por alguma mulher. A única experiência de amor proibido que tive, meu primeiro namorado (que não era crente), foi duramente traumática. Tive um breve momento de enfrentamento das regras e dos fiscais de pecado alheio e foi maravilhoso. O preconceito era grande, algumas pessoas eram muito rudes, o meu relacionamento não era aceito, e chegou o dia que pesou muito forte e tive que terminar. Fo uma das piores coisas que vivi. Chorei por noites infindáveis, tive falta de ar crônica, não pensava em mais nada além dele por mais de ano, tinha pânico na rua quando passava alguém com o mesmo perfume. Tirando que eu magooei demais uma pessoa que eu amava do fundo da alma e o fiz me odiar. Ceis imaginam passar por algo parecido, só que mil vezes mais intenso (homossexualidade ganha de jugo desigual no Supertrunfo dos pecados)? Deus me livre.
Ser bi tem o privilégio da passabilidade: as pessoas me vêem namorando homem e não sofro preconceito. Esse meu “lado” não é público. Eu consegui me manter segura todos esses anos. Meus amigos gays e lésbicas da igreja não tiveram a mesma sorte. Acompanhei a homofobia que sofreram e foi horrível. Começa na “inocente” defesa do tal do “direito à minha opinião”. Daí, só escala. Alguns apanharam, alguns foram expulsos de casa, alguns foram submetidos a essa tortura medonha chamada de “tratamento de reversão sexual”, a tal da “cura gay”. Credo!
Hoje, eu namoro o homem da minha vida, e nem precisava me expor. Mas senti que era hora de falar sobre isso agora que li que a Justiça voltou a liberar a tortura da “cura gay”. Não gosto da sensação de que seja algo escondido ou motivo de vergonha ou constrangimento. Você que tem nojo de gays, que acha que são aberração, que é doença, da próxima vez que pensarem no assunto, quero que pensem em mim. Essa é a cara de uma pessoa que sente atração por gente do mesmo sexo.
Escrevo também para aquelxs que passam pelo mesmo. Você aí que descobriu sua não-heterossexualidade, e que está enfrentando homofobia… não tem nada errado com você, você não precisa ser revertido, você é normal. Se cuida, se mantenha segurx da forma como puder e saiba que um dia, melhora. Longe dos círculos preconceituosos, dá pra respirar, ser plenx, amar e ser feliz. Existe lugar no mundo pra você do jeito que você é e eu vou fazer o meu melhor para garantir que continue existindo.
Então é isso. Out and proud, resistindo e existindo.
E se você que me lê não tem nada de bom pra me dizer, abstenha-se de comentar, por gentileza. Quem quiser mandar amor ou desabafar, estou de braços abertos. Amor nunca é demais.
No gif: eu e meu bolo de unicórnio, que descobri ser o símbolo da bissexualidade. Olha a coincidência!

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