Dia da Consciência Negra: o racismo velado em números e links

Hoje é celebrado o Dia da Consciência Negra. O feriado é recente – entrou em vigor em 2003, quando a lei 10.639 de 9 de janeiro daquele ano incluiu no currículo oficial da Rede de Ensino “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”.

Se você é uma dessas pessoas que postou algo no Facebook do tipo “no dia em que a gente parar de se preocupar com a consciência negra ou branca e se preocupar com a consciência humana, aí sim acaba o preconceito”, gostaria de ser a primeira a te dizer que você está redondamente enganado. Ignorar o racismo não vai, jamais, acabar com ele.

Tem gente que diz que não tem necessidade, que o maior preconceituoso é o próprio negro, que ficar falando sobre isso é exatamente o que causa essa segregação entre negros e brancos.

Mas a verdade é que não é preciso ser nenhum cientista social para olhar em volta e ver que faltam negros nos empregos qualificados e em posições de liderança nas empresas, nas boas escolas primárias, nas faculdades, nos bairros “nobres”, enquanto eles são a grande maioria nos transportes públicos lotados, nos empregos com menor salário, nas favelas, nas prisões, nos necrotérios das periferias.

Ainda que metade da população brasileira seja negra ou parda (dados de 2012), não há negros nas capas das revistas – das de beleza às de bebês, com exceção as publicações com temática especificamente negra. Os comerciais de TV não mostram negros como modelo de beleza nem dirigindo carrões, mas os colocam bastante no papel de criminosos. As passarelas das nossas fashion weeks tupiniquins não tem nem 10% de negros nem negras, mas tem modelos de bombril no cabelo para “homenagear a beleza negra”.

As pessoas ainda associam crianças negras em lojas caras a pedintes e chamam de “mal entendido”, ainda acham que não tem problema chamar cabelo crespo de “cabelo ruim“, mandam cortar o black power do menino negro da novela porque, depois que foi adotado por um casal (branco) e rico, o cabelo crespo ao natural “não combina”.

Datas de afirmação, como o 20 de novembro, tem como objetivo trazer o assunto à tona, revelar o preconceito velado, gerar discussões sobre como combater o problema e promover o fortalecimento da autoestima do grupo discriminado.

Então, meus caros, dizer que o Dia da Consciência Negra é desnecessário é feio, muito feio, e ignorante também.

Ainda mais quando você é como eu: uma pessoa branca, que nunca teve um apelido racista na escola, que jamais sofreu nenhuma dificuldade por conta da cor da pele na hora de procurar um emprego, que nunca teve dificuldade em encontrar padrões de beleza nos quais se espelhar na TV e nas bancas, que não sabe o que é tomar batida policial a troco de nada, por ter cara “suspeita”. Alguém que não tem a menor idéia do que é precisar de um feriado nacional para que o assunto seja notícia e gere discussões.

O que a gente deve fazer nesse dia é assumir que existe um problema chamado racismo, que ainda há muito que caminhar para alcançar a igualdade racial no Brasil, de refletir sobre nossa participação nesse problema (por mais que a gente jure que não seja racista, a verdade é que somos preconceituosos em recuperação), pensar sobre como podemos combatê-lo. É dia de a gente questionar as marcas, as revistas, as novelas e exigir que os negros não sejam colocados de lado quando falamos em modelos de beleza e de sucesso. De perceber em quais ações do dia a dia a gente ajuda o racismo a crescer, seja discriminando pessoas negras ou dizendo isso tudo é coisa da cabeça delas, que estão exagerando e que o mundo está ficando muito chato.

Aqui vão alguns fatos interessantes que descobri pesquisando para este post, que podem enriquecer a conversa:

Revistas e blogs
– A revista Pais e Filhos não teve absolutamente nenhuma criança negra na capa da revista em 3 anos, em nenhuma das suas 35 edições que publicou entre janeiro de 2011 a novembro de 2013 (segundo a seção “edições anteriores da Revista Pais e Filhos” de seu site). Sua concorrente, a revista Crescer, teve uma única capa com um bebê negro em 19 edições.

Nos últimos 8 anos, a Revista Nova publicou apenas 4 capas com mulheres negras (4,2% das 95 capas publicadas de janeiro de 2006 a novembro de 2013, veja todas as edições de Nova deste período e confira).

– A Boa Forma, referência em corpos “perfeitos”, teve 1 única capa com mulher negra em 3 anos (menos de 3% das 37 edições publicadas entre janeiro de 2011 e novembro de 2013, conforme histórico disponível de capas.

Nenhuma blogueira negra integra a lista de blogs da F*Hits, uma das redes que somam a maior parte da audiência de (e do investimento publicitário em) blogs de moda e beleza do Brasil.

Nas passarelas e vitrines
– São raros os negros nas semanas de moda mais importantes do Brasil. Neste ano, a situação crítica levou a Defensoria Pública a criar uma cota de um mínimo de 10% de modelos negros e indígeneas nos desfiles Rio Fashion Week.

– Já no paulistano SPFW, foi dado um passo para trás: as cotas, criadas em 2009, foram desfeitas em 2012, porque “dava muito trabalho” para a organização enviar à defensoria evidências de quantos modelos negros participaram. Na época, o UOL fez um levantamento da quantidade de negros nas passarelas – números tão pífios pelo tamanho do evento que chega a ser uma vergonha.

Não se vê tampouco homens e mulheres negros nos sites e materiais publicitários de marcas consideradas brasileiríssimas, como as carioca Farm e Osklen.

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