“Mãe, por escolha e pró-escolha”
Acabei de ler que caminha na Câmara o projeto de lei medonho que pretende incluir o aborto ser na lista de crimes hediondos no Brasil e estou absolutamente chocada.
Basicamente, o projeto de lei Projeto 478/07, chamado de Estatuto do Nascituro (íntegra aqui) transforma toda interrupção da gravidez (inclusive em casos de estupro, risco de vida para a grávida e anencefalia do feto, que hoje em dia é permitida por lei) em crime passível de pena de até três anos na cadeia e defender publicamente o direito de abortar, um crime passível de até 1 ano de prisão.
Quem está propondo e defendendo esse projeto de lei são as pessoas que se dizem “a favor da vida“. Juro que não entendo vocês.
Primeiro, vocês se juntam aos milhares em Brasília para protestar contra o direito de uma mulher abortar quando não deseja continuar a gravidez e não deseja ter o bebê – seja porque corre risco de vida, porque a gravidez foi uma das consequências de um abuso sexual, porque carrega um bebê anencéfalo e não quer passar por nove meses de gravidez para ver a criança morrer em questão de horas, porque não tem condições financeiras ou porque não tem o menor desejo de ser mãe naquele momento da vida.
“Tadinho do bebê, deixem ele nascer, não tirem a vida dele, ele não tem que pagar pelo fato de seu pai ter estuprado sua mãe e ela não querer nenhuma lembrança daquele dia! E dá um salário mínimo pago pelo estuprador (apesar de ela não querer ter o menor contato com ele nunca mais na vida) pra ela não reclamar que tá faltando dinheiro… E por que matar o bebê para salvar a vida da mãe? Deixa Deus decidir quem vai morrer naturalmente! E se a mãe não tem desejo de ter filhos ou não tem condições financeiras de criar, deveria ter pensado nisso antes de engravidar, e, mesmo assim, ela pode dar o filho para adoção.”
Aí os bebês nascem e as famílias sem condições financeiras recebem auxílio do Governo baseado no número de filhos (como o Bolsa Família) e vocês reclamam dessa “vagabundagem”, não querem ver o “dinheiro dos seus impostos” sendo dado como “esmola para gente que só sabe fazer filhos”.
Depois, alguns desses bebês cuja vida vocês defenderam com tanto afinco, crescem num ambiente totalmente desajustado (com uma mãe que não os quis ter, ou sem mães, órfãos largados na rua ou esquecidos em algum orfanato) e alguns deles ingressam no crime, e aí vocês querem reduzir a maioridade penal e jogar todos na cadeia o quanto antes.
E, por fim, não querem que o governo gaste nem mais um centavo com esses meninos prisioneiros e riem do povo dos direitos humanos que denunciam condições precárias nas casas de correção e cadeias.
Ai eu lhes pergunto, meus queridos: vocês são a favor da vida de quem? Da mãe que não é… da criança, aparentemente, também não, porque assim que ela nasce, deixa de ser objeto da preocupação de vocês. Da vida de vocês, talvez?
Porque filho na barriga do outro é refresco, né? Se for você aí, que ficar grávida nas circunstâncias erradas (seja por acidente, ou com um cara com quem você não quer ter filhos, ou por abuso sexual ou como for), e quiser ir em frente com a gravidez, ninguém vai te impedir caso o aborto seja legalizado.
Agora, se você, moça de classe média que me lê, decidir interromper a sua gravidez, você vai poder fazer isso tranquilamente. Clandestinamente, claro. Porém, com um mínimo de dinheiro no bolso, você consegue descobrir e pagar alguém que faça direito e discretamente e não vai correr risco de vida.
Já a mulher pobre que deseja interromper a gravidez e não tem grana, no desespero, apela para métodos caseiros (introdução de objetos pontiagudos na vagina ou ingestão de remédios que provocam hemorragia) ou vai parar nas mãos de pilantras açougueiros em clínicas sem as mínimas condições sanitárias. E morre. Morrem aos baldes. Tem que considere essas mortes um castigo divino, o que eu acho curioso, já que é uma punição que só atinge a mulherada pobre – e o Deus que eu conheço nunca foi de fazer distinção entre ricos e pobres… E agora vocês querem mandar as que sobreviverem para a cadeia.
Já que a bancada evangélica adora uma passagem bíblica para justificar projetos de lei e protestos (apesar do Estado ser laico), termino com um versículo que eu gosto muito para esta discussão: quando a gente condena um bebê indesejado a nascer para sofrer e ser privado de felicidade, “até um bebê que nasce morto é mais feliz que ele” (Eclesiastes 6:3).
Em tempo: ser pró-escolha significa ser a favor de que toda mulher seja senhora do próprio corpo e tenha o direito de decidir interromper uma gravidez indesejada de maneira segura e legalizada.